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A Necessidade de Programas de Governança Corporativa como Instrumento de Prevenção Penal e de Sustentabilidade Empresarial

A complexidade crescente do cenário empresarial contemporâneo exige das organizações, independentemente de seu porte, a adoção de mecanismos sólidos de governança corporativa e compliance. Não se trata apenas de uma tendência passageira ou de uma exigência imposta por legislações recentes, mas de um requisito estrutural para a sobrevivência e o crescimento sustentável das empresas.


A experiência brasileira tem demonstrado que a ausência de tais instrumentos de integridade pode levar a consequências devastadoras, tanto no campo jurídico quanto no econômico e reputacional. Daí a importância de que também as empresas de médio e pequeno porte incorporem, desde a sua fundação, práticas voltadas à conformidade, de modo que o desenvolvimento desses programas acompanhe organicamente a expansão da atividade empresarial, evitando-se adaptações artificiais ou meramente reativas diante de crises.


O Direito Penal Econômico, em especial, evidencia que a atuação empresarial não se limita ao cumprimento de normas criminais estritas, mas se conecta de maneira transversal com diversos outros ramos do direito.


As chamadas normas penais em branco, por exemplo, revelam de forma clara esse diálogo. São tipos penais cuja configuração depende da violação de obrigações estabelecidas em diplomas extrapenais, de caráter administrativo, ambiental, trabalhista ou tributário.


Um exemplo clássico, a ausência de licenças ambientais, alvarás sanitários ou autorizações específicas para operar determinados negócios não implica apenas infração administrativa, mas pode também ensejar a responsabilização penal da pessoa jurídica e de seus administradores. A Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998) é exemplo paradigmático dessa dinâmica, ao prever sanções criminais vinculadas ao descumprimento de normas complementares, de modo que o cumprimento dessas exigências, longe de ser mera formalidade, constitui salvaguarda contra a imputação de ilícitos penais.


Outro caso emblemático que merece ser citado é o da Operação Lava Jato, no qual ilustra de forma eloquente, os riscos que as empresas correm ao descurarem da implementação de estruturas robustas de integridade. Grandes corporações, até então consideradas modelos de solidez no mercado, viram-se imersas em investigações criminais de grande repercussão, com efeitos imediatos sobre o valor de suas ações, a confiança de investidores e parceiros, a manutenção de contratos e, em alguns casos, a própria continuidade de suas atividades.


Os prejuízos financeiros foram acompanhados de danos reputacionais irreversíveis, traduzidos em demissões em massa, afastamento de fornecedores e clientes, além da estigmatização social. Esse cenário evidencia que a governança corporativa não se limita a cumprir um papel formal, mas constitui ativo estratégico capaz de preservar a credibilidade e a viabilidade econômica da empresa.


Não por acaso, a legislação brasileira tem avançado no sentido de exigir das organizações uma postura proativa na prevenção de ilícitos. A Lei dos Crimes de Lavagem de Dinheiro (Lei nº 9.613/1998) estabeleceu obrigações rigorosas para instituições financeiras e setores sensíveis, impondo sistemas de monitoramento e comunicação de operações suspeitas. A Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013) ampliou ainda mais esse horizonte, ao prever a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica por atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, e ao reconhecer o programa de integridade como fator atenuante na dosimetria das sanções aplicáveis:



Art. 7º Serão levados em consideração na aplicação das sanções:

(...)

VIII - a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica;

 

 

Trata-se, portanto, de um movimento que vai além da repressão estatal, transferindo ao setor privado deveres de vigilância e fiscalização que antes se limitavam ao âmbito da atuação pública.


Nesse cenário, a implementação de programas de governança e compliance desde os primeiros passos da atividade empresarial é medida de prudência e visão estratégica. Ao contrário do que se possa imaginar, tais mecanismos não devem ser reservados apenas às grandes corporações. Empresas de porte médio ou pequeno, ao adotarem práticas de transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa desde a sua fundação, criam uma cultura organizacional voltada à integridade, que se desenvolve de maneira natural e eficaz.


Essa organicidade permite que, à medida que a empresa cresce e se complexifica, os controles internos e os mecanismos de integridade não sejam percebidos como barreiras burocráticas, mas como parte essencial da identidade corporativa.


É preciso destacar ainda que, em uma economia globalizada e competitiva, a confiança é o ativo mais valioso de qualquer organização. O simples envolvimento em uma investigação criminal pode afastar investidores, inviabilizar parcerias e corroer a reputação construída ao longo de décadas.


Nesse contexto, os programas de governança e compliance funcionam não apenas como instrumentos de prevenção jurídica, mas também como garantias de sustentabilidade empresarial e de preservação da imagem perante a sociedade.  Em última análise, eles asseguram que a empresa não seja vista apenas como um agente econômico em busca de lucro, mas como uma instituição comprometida com valores éticos, sociais e legais que legitimam sua atuação.


Assim, a implementação precoce e consistente de programas de governança corporativa revela-se medida indispensável para a proteção integral da empresa. Ao prevenir ilícitos, mitigar riscos penais, assegurar a conformidade regulatória e proteger a reputação institucional, esses programas não apenas fortalecem a posição da empresa no mercado, mas também contribuem para a construção de um ambiente de negócios mais ético, transparente e sustentável. Trata-se, em suma, de reconhecer que o crescimento econômico sólido e a integridade empresarial não são objetivos antagônicos, mas faces complementares de um mesmo projeto de desenvolvimento.

 

 

 
 
 

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